Pinocchio, de Guillermo del Toro | Filme

A viagem da vida sempre é acompanhada da morte. Não há dúvidas que a filosofia dualista desses dois conceitos, acontecimentos, e certezas é objeto de atenção de muitas obras artísticas e midiáticas, e na releitura de Pinocchio, de Guillermo del Toro, esta relação é trabalhada também em uma nova luz.

O vencedor do Oscar e produtor de filmes Guillermo del Toro reinventa a clássica história de um boneco de madeira que ganhou vida em seu espetacular conto musical em Stop Motion.


Guillermo del Toro sentado segurando o boneco de madeira Pinocchio enquanto olha pra ele

Minhas impressões sobre Pinocchio

Não é de hoje que ouvimos a história de um garoto feito de madeira e que ganhou vida, mas não sabia mentir. De fato, um dos clássicos contos de fada de crianças e também produções da Disney, recebeu diversas releituras e alusões. Sendo estas, recentes ou antigas, é mais do que senso comum que a grande maioria de filhos e pais conheçam ao menos uma versão da história.

Hoje falaremos de uma perspectiva do conto que me é muito querida. Não posso mentir que ao assistir a versão de 2022 de Pinocchio, uma animação que confesso, não assistia a muitos anos e que não era bem uma das minhas favoritas das produções da Disney, tive um certo pré-julgamento. Afinal, apesar da minha falha memória, ainda assim conseguia distinguir a “moral” da história, e de certa forma era isso que importava certo?

Desde que era criança, não gostava tanto de ver Pinocchio pelo medo terrível de bonecos falantes e dançantes, sempre achei, inclusive quando crescia, que o conto não passava mais de uma história com a moral implícita de que mentir era uma coisa ruim. De fato, se parar pra pensar, não acho que estou completamente errada, mas também minha maneira simplista de entender a obra pode para alguns parecer absurda.

Imagem da animação Pinocchio (Disney).

A única coisa que havia ouvido falar sobre a obra de del Toro, era de que fora completamente feita em stop motion, isso significa que todo o filme foi produzido com efeitos práticos, e bonecos reais. Cada movimentação dos personagens foi pensada, planejada, desenhada, e executada por uma equipe extremamente talentosa no qual de fato trouxeram a inanimação dos bonecos e personagens da história, à vida, e em um esplendido resultado.

O filme foi produzido em um total de 15 anos, e foi cuidadosamente e meticulosamente pensado por Guillermo del Toro. Nesse sentido, devo elogiar o produtor, que foi extremamente essencial para que essa obra fosse capaz de existir. Sua dedicação com o filme é impressionante, e também é emocionante poder compartilhar de algo tão bonito quanto este filme foi, desde seu processo de produção até seu resultado final.

À aqueles curiosos com todo o processo, a Netflix também disponibiliza um pequeno documentário acerca da produção do filme. Não é exagero talvez pensar que o filme seja o próprio Pinocchio de Guillermo.

Agora que me permito adentrar o conteúdo do filme, acredito que é importante destacar que a premissa já é bem definida em seu começo. A história não é sobre a aventura de uma criança para descobrir como ser um menino “de verdade” , mas sim uma aventura onde entramos em contato com o luto, e com o que de fato é viver. Na adaptação, Pinocchio não é o primeiro filho de Gepeto, e essa informação traz uma perspectiva profunda a obra. Gepeto não mais cria seu filho de um desejo “puro”, mas sim também de um sentimento doloroso, quem já perdera alguém que amou em sua plena consciência nunca desejou que o mesmo voltasse a vida?

Dor, raiva, desespero, desamparo, esperança, esses e talvez muitos outros são os sentimentos que trazem o Pinocchio a vida, e nisso o boneco de madeira é feito não para ser perfeito, e não é esculpido com cuidado e cautela. Esse ser imperfeito, cheio de pregos que saem pelo corpo, com poucos detalhes, é uma das melhores representações da vida humana, o que é irônico, visto que Pinocchio é um boneco de madeira.

Imagem do Pinnochio de madeira, do filme de Guillermo del Toro

A vida, então atendendo ao pedido de Gepeto, dá-lhe um novo menino para chamar de filho, um que causa espanto e indignação, e que também nos faz refletir, o que é ser um menino de verdade? Quais são as condições que ditam o que é vivo ou não? Para ser humano, precisamos ter músculos, pele, polegares opositores? O que define a vida de um garoto? E que existência é permitida ou não. Essas questões não estão isentas nas outras versões da obra, mas nesta a frustração palpável de Pinocchio ao ser tratado diferente dos outros é traduzido literalmente em suas falas e em seus próprios questionamentos e ingenuidade perante a vida.

Deusa que trouxe o boneco Pinocchio à vida

O filme também toca em uma perspectiva de parentalidade muito real, e complicada: qual é o custo de tentar atingir a expectativa de seus pais para você? Gepeto conseguiu que seu desejo fora realizado, mas seu “novo” filho, era capaz de suprir seus desapontamentos? Não é novo pensar que a relação que temos com nossos pais, afetam diretamente os caminhos que tomamos, e o desafio de criar pessoas, é uma coisa que nunca terá uma única resposta, pois afinal o que, neste caso, é ser pai?

E para além disso, o que mais me cativou, é a forma que Pinocchio se relaciona com a morte. No filme, ele é um ser imortal, portanto, toda vez que “morre” acaba tendo a oportunidade de conversar com a morte. Sua vida não ter um final claramente afeta sua percepção de viver, onde de certa forma, à minha perspectiva, Pinocchio não consegue de fato entender o que é morrer. Esse conceito também traz uma oportunidade de reflexão sobre a finitude e sobre de fato o luto, será que a imortalidade é tão preciosa assim? E será que o desejo para que a pessoa que você ama voltar a vida é de fato tão bom assim? Ter mais momentos com as pessoas que amamos é de certo uma vontade comum de viver, porém esses momentos são tão finitos quanto a própria vida, uma vez que essa finitude acaba, o que resta?

No final do filme, Pinocchio enfrenta uma escolha entre a mortalidade e a imortalidade, e consigo dizer que apesar das contradições que tenho, decidiria pelo mesmo que ele, mas e vocês?

Disponível na Netflix, o filme tem 121 minutos de duração. Classificação indicativa: 12 anos.

8 respostas para “Pinocchio, de Guillermo del Toro | Filme”

  1. Avatar de Bruna

    Bah, que legal! Acho o Guillermo del Toro genial, com base nos trailers de filmes/roteiros dele que eu vi pela internet. Acho esse surrealismo um pouco assustador (fora da minha zona de conforto), mas vou convidar o meu namorado para assistirmos juntos.

    Ótima indicação. Adorei o post!

    Abraços

    1. Avatar de Nat
      Nat

      Aaaaah que bom que gostou da indicação!! O Guilherme é realmente um ótimo diretor e o filme pode ser um pouco desconfortável no começo pra ti, mas depois vc acostuma com a filmografia!! Bom filme pra vocês! 🙂

  2. Avatar de Emerson

    Um trabalho primoroso. Quero muito assistir!

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está no ar com muitos posts e novidades! Não deixe de conferir!

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    Até mais, Emerson Garcia

    1. Avatar de Nat
      Nat

      Acho uma ótima recomendação!! Tomara que consiga Assistir! 😉

  3. Avatar de Élide Elen Santana

    Eu também adorei essa versão de Pinocchio, na verdade, adoro as produções de Guillermo del Toro, ele é incrível.

    1. Avatar de Nat
      Nat

      Realmente ele é sensacional! Fiquei muito tocada com essa adaptação, que bom que gostou!! 🙂

  4. Avatar de karolini barbara

    Nat,
    Que percepção perfeita da obra de Guillermo. Confesso que assisti a poucos filmes produzidos pelo diretor (O labirinto de fauno) e pelo visto o mesmo gosta de lidar com temas da vida cotidiana, trazendo para a realidade através de contos, de uma fantasia. Esse eu ainda não assisti, mas quero muito tendo em vista que assisti muitas releituras de Pinóquio.

    Karolini Barbara

    1. Avatar de Nat
      Nat

      Obrigada pelo elogio!! Eu também não conheço tantas produções do Guilhermo, mas o que mais me atraiu no filme é justamente o que você mencionou, sua capacidade de misturar realidade e fantasia! Eu recomendo assistir sim!! 😉

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